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A auto-aceitação como um antídoto à padronização

Hoje irei falar um pouco sobre o problema modelo universal x indivíduo. Com isso, me refiro a duas idéias que por vezes entram em conflito: a que diz que pessoas são únicas e diferentes entre si e a que fala que existe um modelo social a ser seguido. Antes de adentrar muito no assunto, irei fazer uma introdução falando sobre cenouras.

Hoje conhecemos ela como um vegetal cônico e laranja. Aprendemos isso na escola, pintamos ela de laranja para aprender sobre cores e desenhamos ela para aprender sobre formas. Para nós é absolutamente natural e verdade: cenouras são laranjas. Mas na verdade, essa cenoura não foi produto da natureza, mas sim do ser humano. De acordo com o site Brasil Agrícola (2015):


“A cenoura não é originalmente cor de laranja, mas sim vermelha, preta, amarela, branca ou púrpura. No século XVI, produtores holandeses de cenoura, inventaram a cenoura cor-de-laranja em honra da Casa de Orange, a família real Holandesa.” *

Falo disso para ilustrar como as informações que chegam até nós moldam nosso mundo. Para quem não viveu na lavoura ou teve contato mais íntimo com a natureza, apenas ouviu e viu cenouras que são laranjas e cônicas. Para ela, apenas elas são consideradas cenouras de verdade. Caso essa pessoa veja uma cenoura roxa, existem várias reações prováveis: achar feio, não aceitar aquilo como cenoura, ou, quem sabe, se maravilhar. Ao ver uma cenoura de qualquer outra cor, ocorrerá uma espécie de quebra: o que era conhecido como verdade antigamente, será desafiado.


Algo parecido acontece com o nosso modo de vida. Somos bombardeados pelas mesmas mensagens, os mesmos valores são reforçados e vivemos consequências desagradáveis quando de alguma forma saímos do padrão. Alguns exemplos disso são: a pressão de sempre performar bem, de ser saudável (agora é preciso achar tempo de ir a academia todo dia!) e de ser bonito (mas apenas imitando o que a mídia coloca como desejável no momento). Padrões são colocados como verdades naturais. E algo natural não é questionado. Simplesmente é. Não há espaço para variações, pois qualquer uma é vista como uma falha, anti-natural, algo a ser corrigido até sumir. Muito do que nos torna únicos também é indesejável, quando não execrável. Nesse contexto, se torna um grande desafio criar e manter nosso amor-próprio.


Porém, essa tarefa não é impossível. Ao reconhecermos os padrões que estão nos fazendo sentir insegurança, ansiedade ou auto-ódio, podemos começar a pensar sobre eles. Eles fazem sentido para o nosso modo de vida? Concordamos com eles? As pessoas as quais convivemos estão reforçando esse padrão na nossa vida? Um padrão forte atual é um no qual ouvimos que qualquer tipo de descanso é preguiça. Se não queremos fazer algo, é preguiça. Isso pode ser na escola, na empresa ou até mesmo em casa. Existe um grande número de pessoas que não conseguem descansar pois, se tentam, se sentem irresponsáveis. Porém, o que está sendo taxado de preguiça? Existem muitos motivos para uma pessoa não querer fazer alguma coisa. No caso da escola, fazer trabalho ou lição de casa pode ser algo muito chato. No caso do trabalho, a pessoa pode sentir que está fazendo o que lhe é pedido mas não vê sentido naquilo e não ganha nenhum reconhecimento por estar fazendo aquilo. Então, para que fazer?


Existem ainda mais exemplos. O ser bonito. A beleza, socialmente, está intrinsecamente ligada ao que está em voga. Nos anos 90, o que era bonito era ter um bumbum pequeno. Em menos de 30 anos, isso mudou para o contrário. Aconteceu algo semelhante com narizes. Caso tenha a oportunidade de ver uma revista ou fotos de modelos, compare as diferenças entre as décadas. Por vezes, podemos ver a mesma modelo, ou atriz, com corpos diferentes através dos anos. Outro ponto importante sobre beleza, é que ela também tem conexão com colonialismo e classes dominantes. Historicamente, povos que foram dominados eram vistos como feios e, por vezes, burros. Assim, características como cabelo crespo, nariz grande ou olhos puxados já foram vistos como feios. O desejável é o olho azul e cabelos louros do povo colonizador europeu. Uma parte disso vem mudando (afinal, hoje finalmente temos produtos para cabelos crespos e encaracolados), porém novos padrões vão sendo colocados; outro modelo é colocado como o único certo.


Nesse meio tempo, é possível fazermos as pazes com nós mesmos. Para chegar na auto-aceitação é necessário trabalho, cuidado e uma ajuda da parte da sociedade que rejeita os padrões universais. Afinal, existe quem ache nariz grande bonito. Existe quem entende que você não é preguiçoso, só não vê sentido no que está fazendo. Existe quem se sente bem consigo e pode servir de inspiração no nosso caminho para o amor próprio. Todos temos idéias e gostos que nos diferem; ao dar voz a eles, aumentamos a probabilidade de não só encontrar quem concorda (ou pelo menos aceita) como também outras pessoas ao nosso redor podem se sentir mais confortáveis de dar voz às suas opiniões diferenciadas. Nessa empreitada, os maiores ingredientes são praticar a empatia por nós mesmos e entender que nem todos com o quais convivemos são capazes de aceitar alguém quando este se mostra de verdade. Nem todos conseguem aceitar que existe cenoura preta.

 
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