Você já parou para pensar no que faz um objeto ser agradável ou desagradável? Já aconteceu de você entrar num ambiente e ter a sensação que ele era pretensioso? Descolado? Aconchegante?
Uso dessas perguntas para falar de um ponto de vista sobre como o ser humano existe no mundo. Para algumas linhas de psicologia, o humano existe em relação. As coisas, idéias, pessoas, valores, etc, não possuem um valor próprio e imutável. O valor que ela tem depende do ser humano que está se relacionando com ela.
Por exemplo, o que faz uma cadeira, uma cadeira? Ela ser algo de sentar? Mas um banquinho é de sentar e ele não é uma cadeira. E se eu sentar numa mesa, ela virou uma cadeira? Ok, e se a resposta for o material? Bem, existem cadeiras de diversos materiais e é comum pessoas comprarem mesas e cadeiras de materiais que combinam. O que faz algo uma cadeira é o fato que ela tem encosto? Mas uma poltrona tem encosto. Um banco de praça tem encosto. Então, o que é uma cadeira?
Esse é um dos exercícios filosóficos que são comuns de serem feitos em faculdades de humanas. Ele está perguntando algo profundo: o que é a essência de alguma coisa. Existem várias respostas para isso. Existe até o ponto de vista que mencionei no começo: não há uma essência, mas há como as pessoas se relacionam com essa coisa.
Sabemos o que é uma cadeira porque aprendemos, através da sociedade e da linguagem, o que é considerado uma cadeira: um acento que normalmente não está encostado no chão, elevado por um ou mais pés e com encosto. Nós vemos inúmeros exemplos de cadeira na nossa vida, assim, temos um idéia geral do que ela é. Quando alguém fala essa palavra, nos vem em mente uma imagem genérica.
Porém, pode-se dizer que essa idéia genérica não é sem impressões pessoais. Não pensamos como uma máquina, uma idéia ou um fato não nos chega de forma fria. Podemos nos ensinar essa habilidade e utilizá-la em certos contextos, mas não é possível fazer isso a todo tempo. Viemos de vários contextos, temos uma história. E essa história influencia nosso olhar.
Por exemplo, você pode se lembrar de algo desagradável toda vez que alguém menciona uma música ou um objeto. A música em si pode ser prestigiada pela sociedade, mas, digamos, se ela estava tocando enquanto alguém estiva terminando um relacionamento com você, talvez lembrar dela acorde esse momento doloroso da sua vida.
Olhando sobre outra forma podemos falar sobre julgamentos. Digamos que uma pessoa usando uma roupa específica te dê a impressão de arrogância. Acontece de um grupo de pessoas se vestirem parecido, tanto que chamamos isso comumente de tribos sociais. Você pode associar as roupas que uma tribo usa com algo desagradável. Talvez você até tenha conhecido pessoas que agiram de forma a corroborar essa impressão. Porém, roupa não é uniforme. Aqui, estou partindo da idéia que coisas não tem essência. Usar uma roupa x não faz uma pessoa arrogante. Mas podemos associar a roupa à pessoas arrogantes dado à história que temos com elas.
Porém é possível você ver alguém usando a mesma roupa de forma singela. Quero dizer que a pessoa não age de forma arrogante e acha legitimamente bonito o estilo e sai por aí com ele. O contexto mudou. Nosso julgamento não cabe mais. O ponto de vista de as coisas não terem essência nos possibilita pensar no que nos influencia a sentirmos de certa forma diante de algum fato. Você pode achar uma roupa feia porque só conheceu pessoas que usavam ela para se sentirem superiores aos outros (estou na moda e você, não!). Esse sentimento vem da experiência. Você pode achar feio porque na época em que vivemos, isso é feio (por exemplo, pochete é raramente visto como algo bonito); essa idéia vem da convivência social. Claro, nesse último caso também podemos falar da influência do marketing e da indústria da beleza e da moda. Existe um sério investimento atual em tentar controlar a opinião das pessoas.
Digo tudo isso para ilustrar a idéia principal do texto: a de que o ser humano existe em relação. Ao saber qual a sua relação com o mundo, você pode entender mais sobre você e, assim, ter mais poder de ação. Abre-se a possibilidade de investigar quais influências estão te guiando, de escolher se quer seguir como está e de decidir para onde vai. Também é possível ver o que realmente sente: se as pessoas não achassem que pochete é feio, você acharia, também? Não importa a resposta, desde que se tenha chegado a ela tirando da frente o que é, na verdade, opiniões e experiências dos outros.
Por último, ao ver o que sente, você pode ver sua história e resgatar feridas que possam estar te machucando e influenciando seu comportamento. É comum pessoas responderem a traumas evitando eventos, atividades e coisas que as fazem reviver essas memórias. Como foi dito no texto “Ansiedade: dicas de cuidado”, uma pessoa pode descobrir que tem ansiedade no trabalho pois teme se sentir como se sentia na escola, onde a resposta que tinha dos adultos em quem confiava era que ela falhava. A pessoa pode reagir à isso evitando certas situações no trabalho ou até evitando o trabalho como um todo, o que pode trazer consequências negativas à ela.
Quanto mais evitamos experiências que nos doem, menor nossa vida fica. Lentamente, ficamos inflexíveis e tendemos a escolher o que nos é familiar. Isso não significa que devemos tomar a atitude oposta de quebrar nossas barreiras de forma irresponsável. Parte do que significa amadurecer e se encontrar é saber onde está nossos limites. Talvez você nunca vá gostar daquela música que te faz lembrar algo doloroso, mas a dor não precisa ser tão amarga e ardida para sempre. Voltando-se à dor, encontramos à nós mesmos e nos damos a chance de vivermos mais livres do jugo do sofrimento. Permitimos que o que está em carne viva, se feche e forme uma cicatriz. Nos tornamos mais flexíveis, abertos e, principalmente, seletivos ao que o mundo tem a oferecer e, também, mais capazes de nos proteger.
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