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Hostilidade familiar, relações de poder e ilusões daí geradas - parte 2

  • craramos
  • 6 de out. de 2023
  • 3 min de leitura

Esse texto é a segunda parte do post anterior “Hostilidade familiar, relações de poder e ilusões daí geradas - parte 1


Se olharmos para os pacientes que vêem à clínica, vemos como é difícil e doloroso o processo de aceitação dos maus tratos. Isso se dá porque quando crianças, somos biologicamente e psicologicamente dependentes dos nossos pais. Assim, tendemos a acreditar que eles estão realmente certos no que fazem e que somos nós que estamos errados. Estamos sendo crianças ruins, egoístas. Ficamos do lado deles e deslegitimamos nossos sentimentos. Isso cria uma nova realidade, a de uma vida que na verdade não aconteceu. Essa ilusão é importante para o equilíbrio interno da criança, mas tem suas consequências. Alice Miller, uma especialista em psicologia da infância, em um dos seus livros, coloca:


“A repressão aos maus-tratos sofridos no passado leva algumas pessoas, por exemplo, a destruir a própria vida e a vida dos outros, incendiar casas de estrangeiros, promover vinganças, tudo em nome de um “patriotismo”, a fim de ocultar a verdade de si mesmas e sentimentos de desespero da criança torturada.1

Ou seja, esse sofrimento que não queremos lidar, que está sendo mantido por uma ilusão que criamos para sobreviver, acaba por nos aprisionar. Ele nos mantém refém, mantendo fantasmas vivos. Temos medo das mesmas situações e das mesmas figuras, mas não temos completo conhecimento disso. Somos levamos a ação ou a inação por motivos que estão além da nossa compreensão. Porém, não somos completamente indefesos. A linha de psicologia Gestalt coloca que criamos defesas contra esses sofrimentos e maus tratos. Nos ajustamos à situações. Conseguimos sobreviver. O que nos torna prisioneiros e adoecidos é que essas defesas e ajustes permanecem inalterados mesmo na idade adulta, quando o passado já passou mas nós não vivemos essa verdade. Quando nos mantemos engessados dessa forma, o ciclo se mantém. Fazemos as mesmas escolhas, nos relacionamos com pessoas parecidas, a vida fica sempre igual. O que chamar isso senão de um verdadeiro inferno?


Pode-se dizer que as diversas linhas de psicologia têm algo em comum: devolver ao sujeito sua flexibilização. Cuidando desse engessamento, lidando com as angústias e dores passadas, atualizando esses medos, dissolvendo as ilusões, o paciente fica mais apto a experimentar outras escolhas. O mundo se abre novamente; agora ele pode escolher. Existem possibilidades novamente. O novo surge como uma benção diante desse eterno retorno.


Miller tem outra fala muito importante no mesmo livro:


A experiência nos ensina que temos apenas uma única arma duradoura na luta contra as doenças mentais: a descoberta e a aceitação da história, única e específica, de nossa infância. É possível nos libertarmos totalmente das ilusões? Toda e qualquer vida é cheia de ilusões, talvez porque a verdade nos pareça insuportável. Mesmo assim, a verdade nos é tão essencial, que o preço por sua perda é adoecer gravemente. (grifos dela)1

Esse livro de Miller, em específico, tem apenas 107 páginas, mas coloca algumas das mais ardidas dores do ser humano de forma contundente. Por isso, é difícil lê-lo numa sentada só. Muitas das verdades que ele postula precisam ser digeridas aos pouquinhos, principalmente se nos reconhecermos nele. O livro nos chama para olharmos essa realidade compartilhada por muitos: fomos silenciados e agredidos quando crianças, mas podemos ser libertos desse sofrimento ao olharmos para nós mesmos e começarmos a acreditar na nossa própria narrativa e que merecíamos tratamento melhor.

 

1 Miller, Alice. O drama da criança bem dotada: como os pais podem formar (e deformar) a vida emocional dos filhos. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Summus, 1997.

 
 
 

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Psicologa Claudia Ramos

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